Enquanto houver melodia, há voz que quer cantar


Nasceram a cantar. Não no sentido literal da palavra, mas sim dentro de toda essa envolvência musical. Muitos conhecem-nas por serem filhas e sobrinhas de quem são. Mas poucos sabem quem realmente elas são.


Maria Carlota Gomes e Sofia Afonso
Chamam-se Maria Carlota Gomes e Sofia Afonso. São gémeas, nasceram no dia 07 de maio de 1998, têm 19 anos e, pelo menos, um gosto em comum: a música. Estas duas jovens, residentes numa pequena freguesia da Bairrada, Aguim (Anadia), estudam em Coimbra, mas em áreas diferentes. Carlota, como gosta de ser tratada, está a tirar Marketing e Negócios Internacionais no Instituto Superior de Contabilidade e Administração. Já Sofia, optou por seguir Administração Público Privada na Faculdade de Direito.
Estas raparigas podem não ser “Cid” de apelido, mas são “Cid” de sangue. Carlota e Sofia, reconhecidas na região conhecida pelo leitão e pelo espumante, são filhas do cantor e compositor Gonçalo Tavares que, por sua vez, é sobrinho do cantor, compositor, músico e produtor musical, José Cid. Gonçalo define-se como “uma pessoa que gosta imenso de cantar, gosta imenso de liberdade, do campo, de compor, de escrever. Gosto muito de solidão, mas também gosto de estar no meio da multidão. Sou uma pessoa um bocadinho irreverente, mas com a noção de que tenho de ser suficientemente educado. Preocupo-me com os outros, tenho sempre isso em atenção”. A paixão musical de Gonçalo vem desde pequeno. O artista tinha “um piano lá em casa e tocava só nas teclas pretas porque soava sempre bem”. Enquanto fazia melodias soltas, já imaginava atuar para um público. “Aos 14 anos já tinha dez músicas escritas e eram giras”, revela Gonçalo largando uma gargalhada.
Os laços familiares foram influenciadores em todo o percurso que as gémeas já trilharam até hoje, mas Sofia conta que “a paixão pela música foi surgindo naturalmente”. Defende que o gosto por esta arte a acompanha desde sempre. “Não houve nenhum momento específico, nem nenhuma idade específica, para adquirir esse gosto. Canto desde pequena, como sabes, e tenho uma paixão incrível por isto”. A música também acompanha a vida da Carlota desde que se lembra de ser gente. Enquanto recorda a música que escreveu e gravou com a irmã na pré-primária, quando tinham três anos de idade, diz que “a música é uma paixão que vem de família”.

Gonçalo Tavares e Carlota Gomes
Tanto para Gonçalo como para as filhas, o bairradino que nasceu na Chamusca, Santarém, José Cid é um mentor. Os primeiros passos de Cid, que se mudou para Mogofores (Anadia) aos 11 anos de idade, foram dados no grupo musical Os Babies, um grupo criado em 1956 que se dedicava à interpretação de versões. “José Cid” foi o seu primeiro álbum, editado em 1971, e, atualmente, já conta com mais de sete trabalhos apresentados, sendo o último intitulado de “Menino Prodígio”, lançado em 2015.
Devido a esta ligação familiar existente entre os quatro, Carlota e Sofia sentem que têm os melhores professores e mentores na área da música. São “mentores na medida em que são os melhores professores que tenho na vida e na música”, confessa Carlota. Os dois artistas são “grandes inspirações” para esta jovem de 19 anos. E ela explica o porquê. “O tio pela carreira brutal que desde sempre construiu, que se reflete quando vemos e ouvimos quarenta mil pessoas num concerto a cantar ‘A minha música’ ou ‘A cabana junto à praia’. E o pai pelo esforço e dedicação que sempre teve na vida, em relação a tudo”. Gonçalo é para Carlota um “super pai”, um “super músico” e “um super trabalhador que ama tudo o que faz”. Na opinião de Sofia, tanto o pai como o tio são inspirações para a carreira musical das duas irmãs, explicando que “crescer a ouvir o meu tio e o meu pai a cantar acabou por ter alguma influência e, sem dúvida, muita inspiração”.
Gonçalo Tavares já conquistou muito na área da música. Este artista, que foi fundador de uma banda de garagem que tocava e cantava originais, a Banda Tribo, e já participou em vários festivais da RTP ligados à música, confessa que o facto de estar inserido numa família ligada à música, com a presença do José Cid, fez com que fosse encontrado o ponto de partida para o Gonçalo e as filhas ingressarem nesta área. Para Gonçalo, as várias participações que já fez “são momentos da carreira e da vida que nos trazem muita aprendizagem”, refere o artista.   

Carlota Gomes, Gabriela Carrascalão (esposa de José Cid), José Cid e Sofia Afonso
José Cid é um exemplo de determinação para a geração mais nova. “Já não se vê ninguém com a idade do meu tio (José Cid) a tocar dia e noite e a ficar duas horas no palco a tocar, cantar e comunicar com o púbico”, constata Sofia em relação a José Cid, de 75 anos de idade. Gonçalo caracteriza o tio como “um lutador” e acredita que não se aguenta um concerto com cerca de 50.000 pessoas a assistir se não for um artista “cheio de fibra diferente”. Zé, como é tratado pela família, é um dos principais apoios para Gonçalo e sobre isto, o pai das gémeas explica que “até podemos ter uma grande música, mas se formos desconhecidos e não tivermos apoio não vamos longe, mas é assim que se aprende”.
A força de vontade é crucial para todo o sucesso de Gonçalo Tavares e José Cid. É este fator que existe em comum entre eles. Sofia explica que “eles querem muito isto (a música) e então agarram-se às coisas com unhas e dentes”. Gonçalo sempre foi ambicioso na música e os seus concertos são compostos por temas da sua autoria. Gonçalo tem concertos seus, mas também participa nos concertos do José Cid, uma vez que é elemento integrante da banda do tio. Mas nesta família as partilhas de palco não ficam por aqui. Carlota e Sofia já pisaram alguns palcos ao longo da vida e fizeram-no ao lado do pai. Recordando esses momentos, Carlota diz que “para além de ser um orgulho gingante é uma sensação incrível”. Já Sofia diz que nunca há nenhuma resposta certa para quando perguntam como é cantar ao lado do pai, mas que é um misto de emoções que vêm do coração. “Ver o pai a conquistar tudo o que desejou um dia com tanto trabalho e dedicação, e poder fazer parte disso é extraordinário, é um orgulho inexplicável”, revela Sofia. A filha do artista aproveitou também o momento para mencionar o facto de as pessoas falarem e comentarem, muitas vezes, coisas sem saber a sua veracidade. “Por detrás desta fama ou dos concertos todos está um trabalho tão árduo, que às vezes custa mesmo, mas no fim é tudo tão bom...”, desabafou a jovem.

Sofia Afonso e Gonçalo Tavares
Como fazem parte da banda do pai, Carlota e Sofia têm de conseguir gerir o tempo entre a faculdade e a música. Carlota revela que isso nem sempre tem sido fácil, mas tudo compensa porque “é muito bom quando se faz aquilo que se gosta”. Sofia concorda com a irmã e explica que “no meio de tanta coisa devemos estar sempre cientes de que tem de haver tempo para tudo. Apesar de às vezes ser difícil, não abdico nem de uma coisa nem de outra. As coisas vão-se fazendo com calma e organização”. As gémeas correm por gosto e não se cansam. Estudam, ensaiam, atuam e fazem uma divisão natural entre os estudos e a música de forma espontânea e não por obrigação. Os ensaios musicais são feitos no Tempestúdio, estúdio de gravação sonhado e construído por Gonçalo. Este “projeto acústico”, como lhe chama o seu criador, foi “pensado desde a primeira pedra, desde o primeiro tijolo”.
Em novembro deste ano surgiu o novo álbum de Gonçalo Tavares. “Ao Piano”. É este o nome do seu primeiro álbum, físico, a solo. Composto por 17 temas, incluindo cinco duetos com convidados especiais: José Cid, Luís Represas, André Sardet, Carlota e Sofia, este novo trabalho é um “álbum inspirado em muita coisa e eu dedico-o aos músicos muito bons deste país”, explica Gonçalo.
Para o pai das gémeas, tê-las a cantar ao lado dele é especial. É algo que lhe dá muito gosto. Gonçalo considera que Carlota e Sofia “cantam de uma forma muito sentida (...) é muito importante, quando cantas, que cantes e que as pessoas que te estão a ouvir fiquem muito sensibilizadas com aquilo que estão a ouvir. E elas têm isso, têm sentimento a cantar”. Quando as duas jovens pisam o palco com Gonçalo não há grandes preocupações por parte dele, na medida em que “há um misto de orgulho e de segurança, porque sei que sai sempre dali uma coisa boa e interessante. Sei que elas são um êxito”, confessa o artista de Aguim
Para Carlota e Sofia a tranquilidade não é a mesma. As gémeas sentem sempre uma responsabilidade acrescida quando pisam o palco para cantar ao lado do pai ou do tio. A explicação que Sofia encontra para isto está ligada ao facto de estar a cantar ao pé de pessoas que “fazem da música vida”.  Carlota esclarece que sentem a obrigação de “fazer tudo direitinho, sem margem para erros, mas sempre com muita diversão à mistura”. 
Serem filhas de Gonçalo Tavares e sobrinhas-netas de José Cid é também sinónimo de aprendizagens. Segundo Carlota, o que mais se aprende com o pai e com o tio é “música e muita musicalidade”. Esta rapariga nunca teve aulas de piano, por exemplo, tudo o que aprendeu foi com o pai. Para ela, estes dois membros de referência não servem apenas para lhe transmitir conhecimentos musicais. Gonçalo e José são também as primeiras pessoas com quem Carlota conta “quando mais preciso”. Questionada em relação ao mesmo assunto, sobre o que aprende com o pai e com o tio, Sofia revela que não consegue quantificar isso. A estudante de Administração Público Privada confessa que aprende “tanta coisa”, mas o que destaca é aquilo que já mencionou em relação a eles, “dedicação, força de vontade e trabalho. Quando me falam do meu tio ou do meu pai, são estes adjetivos que me vêm imediatamente à cabeça”.
A ligação entre os quatro é muito importante e especial. Sofia caracteriza esta união como sendo “ótima”. Gonçalo e Cid “são tudo para mim”, afirma a jovem, referindo também que são os exemplos como pessoas e como artistas que mais tenta seguir nesta jornada. No que toca à música, Sofia diz que “é fantástico” quando se juntam os quatro. E afirma isto com a certeza de que as coisas correm sempre bem, porque, apesar de diferentes, “partilhamos todos o mesmo gene musical”. Carlota concorda com a irmã referindo que “há uma grande cumplicidade entre todos”, tanto a nível musical como familiar. 
Carlota e Sofia encontram-se no segundo ano da licenciatura dos seus cursos. Mas têm grandes esperanças e desejos na área da música. Desta arte, Carlota espera muito. A estudante de Marketing e Negócios Internacionais desvenda que “da música eu espero vida”. Afirma que é aquilo que mais ama fazer e “não há comparação possível a qualquer outra coisa que possa fazer no futuro”. Gosta muito da área de estudos em que se encontra inserida, porém promete “agarrar todas as oportunidades para levar todos os sonhos que tenho da música até ao fim”.
Sofia também tem grandes ambições. Da música diz que espera “tudo”. É convicta em relação ao seu percurso musical, “tanto no meu como no da Calota”. Descartar os estudos não é uma opção para Sofia, mas pretende agarrar “todas as oportunidades que surgirem”. A jovem não quer dizer com isto que não poderá vir a fazer da sua vida alguma coisa diferente para além da música, mas afirma que, neste momento, “quero mesmo entregar-me à música”.
As duas jovens pretendem continuar a investir na música e o apoio do pai é imprescindível. E há um conselho, revelado pelas gémeas, que Gonçalo dá muitas vezes às filhas: “filha, não se esqueça de que quando se quer mesmo muito uma coisa, acabamos por conseguir (...) trata-se da maneira como vê a vida, de se dedicar de corpo e alma”.

Susana Pereira Oliveira

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