Entrevista: André Carvalho Ramos
Entrevista a... André Carvalho Ramos.
Jornalista na
editoria de política na TVI, nasceu a 20 de maio de 1990, tem 27 anos.
“Aquilo que já aprendi desde que sou jornalista é
muito mais do que aquilo que já aprendi no resto da minha vida toda”
O André começou a trabalhar no
primeiro ano de licenciatura em Jornalismo, que frequentou na Escola Superior
de Comunicação Social, em Lisboa. Entre outras situações, passou pela ONU, pela
RTP, pela CMTV, até que chegou à TVI. Considera-se um “miúdo tímido,
extremamente reservado, muito inseguro”. Sempre soube que queria ser jornalista
e afirma que nasceu para fazer isto. “Não sou feliz a fazer outra coisa”. É
disto que nos fala esta entrevista, sobre o André enquanto pessoa e
profissional. Foi ainda em 2017, no dia 29 de dezembro, que estive à conversa
com ele. Eram 10 horas da manhã. Combinámos n’ “A Padaria Portuguesa”, em
Alvalade. Ouviam-se músicas natalícias de fundo.
Nasceu e cresceu numa região de Lisboa, na
Margem Sul. Como foi o seu crescimento perto da capital?
Foi bom. Se bem
que crescer na Margem Sul é diferente de crescer em Lisboa. A vida em Lisboa é
muito diferente da vida no Barreiro. Nasci, cresci e vivi numa freguesia que se
chama Lavradio até aos 18 anos. Depois vim morar para Lisboa. Apesar de ter
estado num sítio muito perto de Lisboa, é um sítio onde quase não há vida a
acontecer. Sempre que queríamos ir às compras ou passear tínhamos de vir para
Lisboa. Portanto, Lisboa esteve sempre muito presente e sempre foi uma coisa
que quis muito. O facto de ter crescido num sítio pequenino permitiu-me ter uma
infância maravilhosa, descontraída, sem os problemas das grandes cidades.
Quando chegou a altura de tirar uma licenciatura
continuou em Lisboa e foi estudante na Escola Superior de Comunicação Social
(ESCS). Nunca pensou em ir para outra cidade estudar?
Não, porque eu
não queria ficar longe da minha família, não conseguia ficar muito longe da
minha mãe. E também porque em Lisboa havia muita oferta de licenciaturas. Eu
acabei por me candidatar só a uma, a jornalismo na ESCS. Acabei por fazer essa
loucura que não aconselho a ninguém! Mas fi-lo porque achei que a ESCS tem uma
boa oferta curricular. Tenho pena é de não ter tido uma experiência
internacional, porque o resto do país, mal ou bem, vamos conhecendo. Mas
concentrei-me de tal forma na licenciatura e no trabalho que não me dei
hipóteses de ir para fora.
E porquê só jornalismo?
Eu sempre quis
ser jornalista. Decidi isto aos 5 anos, quando entrei na escola e comecei a
aprender a escrever e a ler. Mas antes disso tinha outra opção, que era ser
dono de uma loja de animais (risos), porque havia uma ao pé de minha casa, no
Barreiro, que tinha animais e gomas. Para mim isso era o melhor de dois mundos.
Quando ganhei um bocadinho de juízo e de consciência da realidade, percebi que
queria mesmo ser jornalista. Eu gostava de informação e, em pequenino, as oito
da noite eram tempo quase religioso, em que me sentava em frente à televisão a
ver as notícias. Portanto, para mim, não havia a hipótese de Ciências da
Comunicação ou Comunicação Social, cursos que podem divergir para outras áreas.
Jornalismo era aquilo que queria e não hesitei ao escolher uma licenciatura só
em jornalismo.
Atualmente é um jornalista ligado à
vertente política. Foi algo que o fascinou logo?
Quando comecei a
estudar não era óbvio que queria seguir política. Era óbvio que gostava de
fazer grande reportagem, porque é aquilo que permite abordar os temas com mais
profundidade. Quando vou analisar quem são as minhas referências no jornalismo,
são todas pessoas que neste momento, ou em algum momento da sua carreira, já
fizeram grande reportagem. E a grande reportagem é aquilo que me consegue
prender mais tempo ao ecrã. Entretanto, quando comecei a trabalhar, em
sociedade, num estágio na TVI, comecei a perceber que tudo me levava à
política. Por isso, acabei por, quase sem querer, me ir especializando e
interessando cada vez mais.
Ao longo da sua formação e carreira fez
várias colaborações e uma delas foi com a Organização das Nações Unidas (ONU).
Isto terá ajudado a que o André crescesse enquanto profissional.
Bastante. Eu
comecei a trabalhar na ONU em 2009, onde fazia reportagens para um boletim das
Nações Unidas, em Portugal. Isso permitiu-me conhecer não só os trabalhos de
muitas Organizações Não Governamentais, que trabalham em Portugal nas mais
diversas áreas, como me permitiu tratar temas importantes e perceber a
complexidade do mundo em que vivemos. Já não faço parte da ONU, mas há muitas
questões que eu sigo, como é o caso dos refugiados, uma questão que me é
particularmente querida.
Passou pela RTP, pertenceu à CMTV, ao
Correio da Manhã e está, atualmente, na TVI e na TVI24. Foi difícil chegar
aqui?
O percurso
inicial de um jovem jornalista não é fácil. Há um grande excesso de trabalho,
por ser tudo novo e por, às vezes, os jornalistas funcionarem como um clã. Para
termos o reconhecimento e sermos considerados parte da redação é preciso muito
tempo e muito trabalho. Aconteceu-me, uma vez, fazer uma direta a trabalhar...
Mas isso é um investimento, não é boicotar o mercado de trabalho, é aproveitar
aquele embale e aquela energia inicial para fazer o máximo possível. Eu estive,
inicialmente, na TVI a fazer um estágio, mas na altura não houve oportunidade de
ficar. Fui um ano para a RTP fazer estágio profissional, mas também não houve
essa oportunidade. Depois fui fazer a abertura do canal da CMTV e, ao fim de um
ano, saí, porque consegui ir para a TVI, para editoria de política. Não é fácil
e eu ficava frustrado por andar a saltitar de um lado para o outro, mas é
preciso coragem e determinação, porque mais tarde ou mais cedo essa
oportunidade chegará.
O que é que faz ao longo da sua carreira
para se conseguir afirmar enquanto jornalista?
Tento não errar
nunca. Tento fazer sempre mais, novos temas, sobre coisas que marcam o país e o
mundo. Devemos falar de coisas que estão a marcar a agenda nacional e mundial e
tentar arranjar um ângulo próprio para contar as histórias. Eu não acredito num
jornalismo imparcial, nós temos opiniões e emoções e temos de pôr o nosso cunho
pessoal naquilo que fazemos.
O André domina a política, mas “desloca-se”
e trata outras temáticas noutros trabalhos jornalísticos.
O melhor é
quando me sinto deslocado. Quando nos sentimos deslocados e fora de pé é quando
temos de esgravatar e procurar mais. E isso faz-me crescer. Acontece, muitas
vezes, na política já sabermos o que vamos perguntar, o que temos de fazer.
Apesar de isso ser na mesma um trabalho altamente estimulante, mais estimulante
ainda é estarmos fora da nossa zona de conforto, porque é aí que vamos aprender
a dominar outras temáticas. Quanto mais aprendemos, mais confortáveis nos
sentimos nos diversos temas que vamos tratando. O truque é colocar-nos fora de
pé, que nos obriga a uma preparação mais exaustiva.
Qual foi o momento, enquanto jornalista,
que mais o marcou até hoje?
Foi a crise dos
refugiados. Estive na Grécia, na ilha de Lesbos onde chegam botes cheios de
pessoas. É arrepiante estar do lado europeu a olhar para a Turquia e pensar que
do lado de lá há pessoas com crianças ao colo a tentar fazer a travessia sem
saber se sobrevivem ou não. Estar lá e ir a um sítio intitulado de “Cemitério
de Coletes”, que é literalmente uma montanha de coletes que já foram usados, e
saber que cada coleta representa uma vida e ouvir aquele silêncio todo, marca
muito.
Este ano esteve presente nos incêndios.
Como é trabalhar neste contexto?
A primeira vez
foi em Pedrogão Grande e não há preparação para aquilo que vemos. Passar por
aquela que ficou conhecida como a “Estrada da Morte”, onde morreram 44 pessoas
dentro dos carros num espaço de 400 metros, não tem explicação. Não há como ter
preparação para lidar com isso. Ninguém está preparado para ver aquilo.
Pedrogão Grande foi particularmente difícil. Foi estar fora de pé, mas vamos
ganhando uma casca para não nos deixarmos afetar tanto por estas histórias. Mas
afetam sempre e isso leva-nos a contar a história de uma forma diferente.
Mas o André é cidadão, é humano. Acredito
que o foco no trabalho terá sido difícil.
A concentração
é, de facto, muito difícil. Tu pensas: viro-me para onde? O que vou fazer? Que
histórias vou contar? Não podes contar tudo porque não há tempo. O tempo é
limitado para colocar a peça no ar. Mas é automático, tem de ser. Tu sentes a
obrigação de contar as histórias daquelas pessoas. Eu lembro-me de estar de
carro à procura de uma história específica, em Pedrogão Grande. Mas parei em
Castanheira de Pera onde vi uma fábrica totalmente destruída. Parecia um
cenário de guerra. Parei ali e percebi que era uma serralharia que dava emprego
a uma data de pessoas. Peguei naquilo e nunca mais larguei. Às vezes os
jornalistas têm sorte e a questão da concentração acaba por acontecer. Eu fiz
uma grande reportagem sobre os incêndios de outubro e não tive de procurar
nenhuma daquelas histórias. Ou estava no caminho e as pessoas abordavam-me ou
alguém conhecia histórias e vinham-mas contar ou a senhora idosa vinha
perguntar o que estava ali a fazer e percebia que também ela tinha uma história
para contar. As histórias vão aparecendo quando estamos em cenários destes,
quando a tragédia é tão grande.
Em situações dramáticas e trágicas como os
incêndios ocorre sensacionalismo evidente e desmedido. Qual é a sua posição em
relação a isto?
Sou
completamente contra o sensacionalismo por uma questão ética. Na medida em que
esta ética pode significar “não faças aos outros aquilo que não gostarias que
te fizessem a ti”. E eu não gostaria que explorassem a minha dor, a minha perda
de um amigo, de um familiar, eu não gostaria que explorassem a minha
privacidade. Portanto eu não o faço. Nessa grande reportagem que fiz, por
exemplo, havia espaço para fazê-lo. Mas eu decidi não entrevistar alguém que
tivesse perdido alguém. Recuso-me a entrevistar alguém que está ainda a
perceber o que é que aconteceu. Alguém que perde um familiar ou um amigo à um,
dois ou três dias, não está em condições de falar para um jornalista, para a
televisão. E eu, sempre que ia para o terreno, tinha isto bem presente na minha
mente: não explorar a dor alheia.
Recentemente esteve envolvido num trabalho
de jornalismo de investigação: o caso Raríssimas. Foi uma investigação elogiada,
mas também criticada. Como é que gere esta diferença de opiniões?
O caso
Raríssimas é provavelmente a melhor reportagem de investigação deste ano (2017)
que marcou a atualidade. Eu, a seguir à reportagem ir para o ar, tive de fazer
o lado político, porque havia implicações políticas. Em relação a falar bem ou
falar mal, sinceramente só pode falar mal quem tem um profundo desconhecimento
das matérias. Havia indícios de gestão danosa, havia muita coisa errada a acontecer
no funcionamento daquela IPSS e, portanto, eu não percebo como é que se pode
falar mal desta reportagem que veio mostrar isso mesmo. O caso é tão
escandaloso que eu não percebo como é que podem haver pessoas críticas ao
escrutínio público de uma IPSS onde há indícios de gestão danosa.
Neste tipo de trabalhos, os jornalistas são
sujeitos a uma certa pressão...
A pressão
obviamente que existe e às vezes a pressão que colocamos em nós próprios é
maior do que a pressão externa. Eu devo dizer que nunca senti muita pressão.
Claro que, na parte política, há sempre uma tentativa, ainda que muito
discreta, de tentar fazer com que as coisas sejam contadas da maneira que a
pessoa A ou B pretende. Mas como não costumo ceder muito à pressão, não ligo a
isso. Se bem que já tive assessores a ligarem-me à meia noite e tal a
questionarem-me porque é que a peça está assim e não assado. Não vou mentir, agora
no caso da Raríssimas eu tinha os documentos todos, porque a Ana Leal mos
passou e me inteirou da investigação para eu fazer depois a parte política da
reportagem. E dou por mim numa conferência com o ministro Vieira da Silva,
tenho os meus documentos na mão e vejo que o senhor está a mentir. A palavra
“mentir” é feia e dizer que alguém está a mentir é feio. Mas coloquei essa
pressão em mim próprio e comecei a questionar o ministro sobre o que estava a
ser dito. E, às tantas, a pressão que tu sentes é porque queres ser correto,
porque queres a verdade. Isso, às vezes, cria alguma pré-ansiedade, mas no
momento, e quando estamos convictos de que estamos corretos, essa pressão
passa.
O que é preciso para se ser um bom
jornalista?
É preciso ter
coragem, espírito de sacrifício, ser muito curioso e ter uma cultura geral
acima da média, porque não podes reproduzir senso comum, tens de reproduzir
conhecimento. É preciso chegar à redação e ler os jornais todos, fazer
recortes. Implica uma grande bagagem de informação, que leias muitos livros,
que vás ao cinema, que vejas muita televisão e que olhes para as coisas, para
os filmes, para os livros, para os documentários, de uma forma pedagógica. Não
deves assistir só no sentido de te divertires, porque às vezes até numa comédia
de domingo à tarde, podes ouvir e ver algo que te desperte a atenção e penses:
posso usar isto numa reportagem. Estamos sempre a receber inputs. Um jornalista
deve ter isto tudo, mas também deve ter um interesse principal, é preciso
escolher uma área de especialização. Ser jornalista é ter uma profissão a tempo
inteiro.
Que obstáculos já apareceram no exercício
da sua profissão?
O primeiro
obstáculo que aparece a fazer jornalismo hoje em dia são as condições laborais.
São preciso mais apoios, é preciso não deixar que o jornalismo seja uma
profissão mal paga.
Extra TVI tem também um blog, “Morada
Aberta”, onde escreve de forma mais informal. Como é que surgiu este projeto?
Surgiu ainda
quando estava no primeiro ano de faculdade. Eu gostava muito de escrever, tanto
que antes de ir para a faculdade, no secundário, andei num curso de Línguas e
Literaturas. E como gostava tanto de escrever sentia necessidade de extravasar
para algum lado aquilo que não conseguia extravasar para o trabalho. Hoje em
dia já consigo, mais ou menos, e, por isso, também tornei menos frequentes as
publicações. Mas surgiu porque sentia necessidade de ter um espaço meu onde
pudesse escrever sobre o que eu quisesse, da forma que eu quisesse, com a estética
que eu quisesse. Hoje em dia, vou lá ao site,
vejo os textos que eu escrevi na altura e se eu quisesse escrevê-los agora já
não tinham os pormenores da altura. Este blog acaba por ser também um diário de
viagem da minha carreira. Eu ia tratando temas no trabalho e escrevia sobre
eles para o blog. Eu acho que nós, jornalistas, temos essa necessidade de criar
blogs, criar sites, criar qualquer
coisa para extravasar. E acho que isso é ótimo, que é para não guardar para nós
próprios os nossos pensamentos. Criamos aquele espaço onde podemos escrever
sobre o que nos apetecer e pôr lá aquilo que nos apetecer, como nós queremos,
porque quem manda ali somos nós.
De que forma acha que o seu trabalho
influencia o jornalismo atual?
Não influencia
(hesita)... Quer dizer, nós temos altos e baixos. O que eu mais faço é fazer
trabalho que não influencia em nada o jornalismo. Mas há uma parte desse
trabalho que, de vez em quando, vai influenciando porque, lá está, é aquele
que, verdadeiramente, tem qualidade. O que é que influenciou o jornalismo no
sentido de ser notícia noutros órgãos de comunicação social? Foi, por exemplo,
uma entrevista exclusiva que fiz enquanto estava na Banca - e eu não tinha
matemática desde o 9ºano e, de repente, lidar com Banca é lidar com um mundo
paralelo que, enfim... Tive de estudar muito – Nessa altura ainda existia o BES
e fiz uma entrevista exclusiva ao governador do Banco de Portugal que foi
citada em todo o lado, aqui e lá fora. E isso teve influência, porque foi
citada em todos os órgãos de comunicação social, e também teve impacto na
Bolsa. O BES estava, por exemplo, há uma semana a perder a Bolsa e, de um dia
para o outro, depois da entrevista, valorizou. O impacto daquela entrevista
valorizou a Bolsa em 80 milhões de euros. Eu só fiz três perguntas ao
governador, mas as perguntas que fiz, fizeram com que o valor do BES valorizasse,
de um dia para o outro, 80 milhões de euros. E isto é um exemplo do impacto que
nós podemos ter concretamente nas coisas, na vida, no jornalismo.
Após 9 anos de carreira (com início em
outubro de 2008), o que mais o fascina nesta profissão?
É conhecer as
histórias de vida das pessoas. Acho que o que é bom é conhecer pessoas, a
sério, em todos os aspetos. Nós aprendemos tanto com toda a gente e essa
aprendizagem é constante. Quanto mais estamos com os outros, quanto mais
partilharmos ideias, quanto mais eu puder estar aqui a falar contigo e, um dia,
eu puder estar a fazer-te perguntas a ti ou inverso, mais eu vou aprender. E
acho que é isto que me fascina e que faz com que não me farte desta profissão.
Onde imagina estar daqui a cinco anos enquanto
jornalista?
Gostava de estar
na Síria a fazer a reconstrução do país. Gostava muito. Não sei se essa
reconstrução vai acontecer, mas gostava de estar lá a fazer reportagem sobre
isso, sobre o país onde aconteceu aquilo que nós sabemos desde 2011, aquela
guerra sem fim que destruiu um país que tinha 24 milhões de habitantes. Mais de
metade da população fugiu ou foi dizimada e isto deixa marcas muito profundas
num país. E eu acho que aquelas histórias que aparecem, como falei há pouco,
apareceriam na Síria. Eu quero aprender árabe e, daqui a cinco anos, gostava
muito de poder estar na Síria.
Que conselhos pode dar a estudantes que
pretendem ser futuros jornalistas?
Eu já disse uma
vez que tu tens aquilo que é preciso, que é curiosidade para saber tudo e mais
alguma coisa. Isso é o essencial. É preciso ser muito curioso, ter muita
cultura geral, muito conhecimento sobre o mundo em que se vive. Ninguém pode
começar a fazer jornalismo sem estas características. Mas temos tempo para
adquirir isto tudo. Eu tenho 27 anos e ainda tenho muito para aprender, muito mesmo.
Mas aquilo que já aprendi desde que sou jornalista é muito mais do que aquilo
que já aprendi no resto da minha vida toda. É preciso estar-se sempre muito
desperto e nunca desmoralizar. Vão haver dias em que chegas a casa e vais estar
a pensar “que porcaria de dia, apetece-me desistir disto tudo”. Já me apeteceu
desistir muitas vezes... E ainda hoje eu penso: tenho 27 anos e, falando de uma
parte pessoal, há dez anos eu pensava que aos 27 já ia ter comprado uma casa,
um carro, ia ter uma estabilidade espetacular na minha vida pessoal e não tenho
nada disso. Não comprei a casa, não comprei o carro e não vou comprar tão cedo.
Mas eu não desisto. As coisas podem demorar, mas têm de ser possíveis. Algum
dia vão ter que acontecer. E já consegui ao longo do tempo, e ainda bem,
melhorar as minhas condições laborais, mas, quem está a começar, tem que ter
consciência disto: não é fácil, é muito difícil fazer uma carreira no
jornalismo. Não é para todos e, por isso, é que muita gente deriva para
carreiras na comunicação, nas assessorias, etc. Eu não digo não a nada, mas eu
nasci para fazer isto. Não sou feliz a fazer outra coisa e quem sente o mesmo
tem de ter muita coragem para enfrentar isto e não desistir. Desistir não é
opção.
Temos de gostar realmente daquilo que
fazemos...
Só assim é que
se aguenta. Só amando esta causa, porque isto é uma causa não é um trabalho, de
contar as histórias e a verdade, de dar voz a quem precisa de ter voz ou deve
ter voz. E eu acho que, para quem quer ser jornalista, não há como não amar
fazer isto. E, infelizmente, o mundo vai-nos dando provas de que temos cada vez
mais trabalho, porque há cada vez mais histórias que têm de ser contadas e isto
é, de facto, uma paixão.
E aos 27 anos, depois deste percurso todo, quem
é, afinal, o André Carvalho Ramos?
Esta é a pergunta mais difícil. O André é uma pessoa (pausa) como é que eu posso dizer... O mais difícil é falar sobre mim, porque às vezes esqueço-me de mim no decorrer do meu trabalho. Eu esqueço-me que sou um miúdo tímido, extremamente, reservado, muito inseguro. Há pouco falámos da questão da concentração e quando me concentro numa história, isto desaparece. Estas três características que estão muito presentes, naquele momento, são desligadas. Quando estou a trabalhar, desligo-me de quem sou e acabo por pôr uma capa. Lembro-me que na primeira reportagem que fiz, a minha mãe me perguntou: mas foste tu que entrevistaste as pessoas? (risos). Porque era estranho eu abordar as pessoas na rua. Mas o facto de ser assim reservado até acaba por ser bom, porque consigo estar sozinho, sentado numa mesa, com uma orelha na conversa do lado a pensar: uau, que histórias incríveis que davam para contar. Outra característica, e isto é mau, é que eu absorvo muito as tristezas alheias e fico a pensar nos problemas dos outros. E isto, às vezes, acaba por me trazer não pessimismo, mas negatividade. Não sou aquela pessoa que se está sempre a rir de tudo e mais alguma coisa. Adoro rir, mas tenho momentos prolongados de introspecção.
Esta é a pergunta mais difícil. O André é uma pessoa (pausa) como é que eu posso dizer... O mais difícil é falar sobre mim, porque às vezes esqueço-me de mim no decorrer do meu trabalho. Eu esqueço-me que sou um miúdo tímido, extremamente, reservado, muito inseguro. Há pouco falámos da questão da concentração e quando me concentro numa história, isto desaparece. Estas três características que estão muito presentes, naquele momento, são desligadas. Quando estou a trabalhar, desligo-me de quem sou e acabo por pôr uma capa. Lembro-me que na primeira reportagem que fiz, a minha mãe me perguntou: mas foste tu que entrevistaste as pessoas? (risos). Porque era estranho eu abordar as pessoas na rua. Mas o facto de ser assim reservado até acaba por ser bom, porque consigo estar sozinho, sentado numa mesa, com uma orelha na conversa do lado a pensar: uau, que histórias incríveis que davam para contar. Outra característica, e isto é mau, é que eu absorvo muito as tristezas alheias e fico a pensar nos problemas dos outros. E isto, às vezes, acaba por me trazer não pessimismo, mas negatividade. Não sou aquela pessoa que se está sempre a rir de tudo e mais alguma coisa. Adoro rir, mas tenho momentos prolongados de introspecção.
Susana Pereira Oliveira
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