Entrevista: Raquel Tavares
Entrevista a... Raquel Tavares.
Fadista portuguesa, nasceu a 11 de janeiro de 1985, tem 33 anos.
Raquel Tavares é
uma das mais importantes vozes do fado contemporâneo. Chamada de ‘gaiata’ no
bairro onde vive, Alfama, Raquel começou a cantar aos 5 anos de idade. Com o
sonho de ser jornalista de guerra, a artista ingressou no mundo da música por
mero acaso, não fosse por isto ela dizer que “foi o fado que me escolheu a mim
e não eu o fado”. A fadista, que tem Beatriz da Conceição como grande
referência, sobe ao palco do Cineteatro de Anadia no próximo dia 5 de maio e eu estive à conversa com ela a fim de realizar uma entrevista que saiu na última edição do Jornal da Bairrada.
Como é que surgiu a paixão pelo fado?
Já lá vão 27
anos... O meu primeiro contacto foi numa festa de escola em que tínhamos que
fazer uma festa para os pais e a educadora achou que eu tinha perfil para
cantar fado. Achava que eu tinha ar de fadista e ensinou-me o primeiro fado que
aprendi. Achei graça àquela sonoridade e, quando cheguei a casa, pedi à minha
mãe para me ensinar mais cantigas daquele género. Mais tarde, a minha irmã mais
velha soube que ia haver uma noite de fado junto da casa onde vivíamos, eu fui
e cantei os fados que a minha mãe me tinha ensinado e, até ver, depois foi essa
a minha vida desde sempre. Não dá para explicar como é que a paixão acontece,
isto é quase como dizer que foi o fado que me escolheu a mim e não eu o fado,
porque eu era muito pequenina para escolher fosse o que fosse.
O fado é um estilo musical tipicamente
português. O que representa para si cantar fado português?
Já tive
oportunidade de cantar noutras línguas e cantar em português é o mais difícil,
mas o que me dá um maior desafio. A poesia portuguesa é muito especial, do
ponto de vista poético, da rima, da composição, do canto e da leitura. É muito
mais fácil rimar em inglês, em brasileiro, em espanhol. A língua portuguesa é
uma língua muito complexa e é por isso que tanta gente no estrangeiro fica
fascinada por esta linguagem.
Ganhou notoriedade aos 12 anos ao vencer “A
Grande Noite do Fado” (iniciativa Casa da Imprensa), em 1997. Foi aí que
percebeu que queria ter uma carreira musical?
Não, de jeito
nenhum! Eu queria ser jornalista, repórter de guerra, mas gostava de cantar e
ia aos concursos todos. Ganhar “A Grande Noite do Fado” era um sonho, porque
era um marco na história de um fadista. Mas eu não queria ser artista, queria
ser jornalista. A minha mãe trabalhava na RTP e eu queria ir para a guerra
noticiar o que se passava. Ainda hoje vejo reportagens na televisão e penso
‘será que escolhi o caminho certo?’. Isto de ser artista foi uma coisa quase que
imposta pela vida aos 17 anos. Precisava de trabalhar e foi na música que encontrei
a forma de ganhar dinheiro. O feitiço virou-se contra o feiticeiro e nunca mais
parei. Comecei a minha carreira profissional aos 17 anos, cantei em todas as
casas de fado de Lisboa e aos 18 assinei o primeiro contrato, aos 20 lancei o
primeiro álbum, aos 21 o segundo e depois estive oito anos parada.
Esses oito anos, antes de lançar o seu
penúltimo álbum, “Raquel”, serviram para a testar para lá do fado?
Eu parei porque achei
que estava farta de me ouvir. Sentia que não tinha mais coisas a acrescentar e
fiz uma pausa. Viajei imenso, mas nunca deixei de cantar. Cantei noutros
lugares, onde participei em vários festivais e partilhei palcos com outros
artistas. E isso foi ótimo, foi out of
the box (fora da caixa), porque eu era muito tradicional. Nesses oito anos
percebi que havia muito mais para além do fado, a música era muito mais que
isso. E depois surgiu o disco “Raquel”, um disco com mais abrangência, com
menos preconceito para comigo mesma. Tudo isto foi um percurso muito feliz e
tudo surgiu a seu tempo. Saber esperar é uma virtude e ainda bem que eu soube
esperar oito anos para agora colher frutos.
Vive há 10 anos em Alfama, onde existe uma
série de casas de fado. Cantar em “casa”, Lisboa, é mais especial do que cantar
noutros locais?
É, não posso
mentir. Lisboa é o único lugar do mundo que ainda me faz sentir nervos. Em
todos os outros lugares sinto a ansiedade de subir ao palco, mas quero sempre
que o concerto comece logo. Em Lisboa não. Aqui, seja onde for, eu sofro,
porque é a minha casa, é onde as pessoas esperam mais de mim, é onde atuo para
a plateia que melhor me conhece. Estive no Coliseu de Lisboa no ano passado e
foi uma coisa extremamente emotiva, senti-me novamente com 12 anos. Fazer os
Coliseus era uma grande ambição minha, por isso, tudo o que vier agora é
lucro.
Lançou, em 2017, o álbum “Roberto Carlos
por Raquel Tavares” que conquistou “Disco de Platina” em três meses...
Quando a Sony Music, a minha produtora, me fez o
convite para cantar Roberto Carlos foi algo irrecusável. Cantar o ‘rei’ é uma
grande responsabilidade. Conheço muito bem a história dele e sou fã desde que
me lembro de ser gente. Eu estive três anos entre Portugal e Rio de Janeiro e,
por causa disso, ainda tenho mais noção do impacto do Roberto Carlos nas
pessoas. Este disco, em que cantei aquela poesia em português de Portugal, tem
sido o ponto alto de tudo aquilo que imaginei enquanto artista. É poder cantar outras
coisas de outras formas, sem nunca pôr em causa a minha identidade e a minha
verdade para com a música.
Já ganhou vários prémios e isto é sinónimo
de sucesso. Qual é o segredo para esse sucesso?
Eu não acredito
no sucesso. Acredito no reconhecimento, em concretizações e realizações. Não
gosto da palavra sucesso, detesto a palavra fama e odeio que me considerem uma
figura pública. Não lido nada bem com isto e não sou aquela pessoa que gosta de
tirar fotografias ou dar autógrafos. Aquilo que tenho que dar às pessoas é a
minha arte, que é cantar. Eu nunca vou conseguir perceber porque é que querem
uma assinatura minha ou uma fotografia comigo. Eu não sou esse tipo de artista.
Eu não nasci necessariamente
para ser artista, nasci para cantar. Em palco dou sempre a minha alma, o
meu amor e a minha emoção. Esta coisa de
se ser artista tem imenso trabalho por trás, de muitas pessoas. Eu tenho a
sorte de ter uma equipa extraordinária e, embora seja eu a dar a cara, somos um
todo. Eu não seria nada, nem ninguém, sem todo este background que aposta em mim.
Sobe ao palco do Cineteatro de Anadia no dia
5 de maio. Que expetativas tem para este concerto?
Todas! Aí para
esses lados há um público muito efusivo e eu quero muito levar-vos a música que
tenho levado. Tenho um concerto com um bocadinho de tudo, do disco “Raquel”, do
fado tradicional, do Roberto Carlos. É um concerto diverso em que o público é
parte integrante. O meu concerto depende sempre das pessoas que estão a
assistir. Eu preciso que o público esteja comigo. Aí na Bairrada eu conheço bem
a minha gente, uma gente muito efusiva que me recebe muito bem e, portanto,
estou ansiosa.
E fora da música, quem é a Raquel Tavares?
É só a Raquel.
‘Raquel Tavares’ é quase como nome artístico. Eu sou uma pessoa com uma vida
normal, vivo no bairro de Alfama, gosto de sair de casa e falar com os meus
vizinhos. Adoro ir ao restaurante de baixo do meu prédio, à mercearia e
sentar-me a beber a bica. Gosto muito de passear por Lisboa e de estar com os
meus amigos. Quando acordo a primeira coisa que faço é ligar a música e as
notícias, porque há sempre uma jornalista dentro de mim. Vivo num bairro
modesto e sinto-me a Raquel do bairro, a Raquel que pretendo estimar, a que as
pessoas conhecem, a ‘miúda’ e a ‘gaiata’.
Susana Pereira Oliveira
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